Espaço

5 blogs pelo preço de 1 gratuito

A despropósito - Maio 2008

E agora que falas nisso, ocorreu-me que se calhar esta rúbrica acabou. Depois de abordar assuntos tão proeminentes e tão ligados às temáticas propostas, penso que agora é hora de terminar, poupando os incautos leitores de ideias tão profundas quanto... vá, estúpidas. Acaba-se esta rúbrica, quase vazia, mas não morta, pois há sempre conversas a manter, a propósito e a despropósito. O principal argumento para este final relaciona-se com o autor, já que a pessoa que imaginou o conceito é uma pessoa ligeiramente diferente daquela que está agora a escrever. E não estou a falar de me sentir (7 meses) mais velho, mas sim de ter uma visão completamente alterada, diferente daquela que jo ga va com “O mundo nas mãos”, diferente da que proclamava o “Espaço”... tudo tem o seu tempo, e o despropósito também... E ao arrumar as suas bagagens, no cliché de alguém que deixa o escritório e enche uma caixa de cartão com as suas bugigangas, a rúbrica encontra em cima da mesa alguns rascunhos de ideias para aproveitar nestas dissertações. Ideias que surgiram num qualquer vaip fulminante, ideias parvas, secas que por alguma razão se mantiveram na minha mente e ao alcance do meu olhar, aquele que perfura e perscruta cada outro ser, e de disseca os temas com a habilidade cirúrgica de um rinoceronte cego e com febre tifóide numa jangada. Temas como as licenciaturas, que este mês são/foram solenemente assinaladas com a bênção das fitas e a queima dos finalista (ou bênção dos finalistas e a queima das fitas?), ou então a forma como o futebol move o país, ou simplesmente como as relações humanas são as teias mais complexas que existem e nós sem nos apercebermos estamos enredados, e que olhar alguém nos olhos com compaixão ou trocar uma palavra de esperança são autênticas bombas de energia de Vida, e que tantas vezes não sabemos usar. E tudo isto são coisas que vão ficando empilhadas numa caixa, juntamente com a caneca do café e a moldura com a foto de família que ajudou a inspirar os momentos mais secos que o normal. Este é o tempo de arrumar as coisas. Porque o tempo passou e a história da vida se altera, e mudam as estações do ano e mudam os desafios, arrumo agora tanta coisa que tinha espalhada pelas mesas e prateleiras, arrumos as memórias, arrumo os sonhos e desejos, arrumo o meu quarto e o meu mundo, porque não há nada a dizer quando não nos encontramos a nós próprios, perdidos no meio de tanto lixo que acumulamos. E porque sou uma pessoa diferente, mais maduro (ou velho), mais calmo (ou seco), vejo com clareza que este espaço não tem mais sentido, a clareza de um gato assustado remelado de conjuntivite, com a cabeça enfiada num sapato, a correr por uma discoteca algarvia em pleno verão (que raio é que se passa com as minhas visualizações??): é hora de sair... E anunciado o fim, deixo-vos o tema da minha última reflexão: o que é que nos liga? E para falar sobre isto, tenho uma opinião convidada que... como? Tempo? Ah?.. er.. hmmm parece que... estão-me a fazer sinal que não vai ser possível, pois acabou-se o espaço/tempo no nosso jornal... portanto, sem ter dito nada de importante nestas 580 palavras, bem tentei que fosse algo maior a falar por mim... e assim, fica adiado em mais um mês o meu silêncio. Falo sobre o assunto na próxima edição que nesta já não há

O Colecionador de Pérolas

A pele era velha mas não como a dos velhos obrigados a passar vidas ao sol ou ao relento. Tinha rugas, mas não eram rugas de quem vê mais perto o horizonte do fim da vida do que a sua própria memória do passado. Não era sem-abrigo, mas era vagabundo. Não era velho, mas era um homem cansado. Não era feliz, mas era livre. Não tinha nome, mas era o Artur. Não carregava grande bagagem de recordações, sempre fora fiel ao que era, sempre fora igual, sempre fora o mesmo... não lembrava o período em que fora obrigado a trabalhar em alto mar, na pesca do bacalhau, nem lembrava quando em terra firme se viu obrigado a carregar botijas de gás para sustento. Lembra-se perfeitamente, porque era assim mesmo que era o presente, de olhar para as pessoas. Olhar a sério, a fundo, aprendendo-as, não com a hipocrisia de ser falso, não com o intuito de lucrar com cada uma delas, mas no puro interesse de saber quem são. Não era inocente, no que se relacionava com o seu objectivo. Sempre fora e sentia em todo o seu ser actual que era - tal como ele próprio se apresentaria ao mundo se falasse - um colecionador de Pérolas. O mundo facilmente lhe falou, o julgou pela atitude desprendida, e rotulou de louco, e era-o, de facto. «Coitado, não regula nem tem lugar...». E não tinha, de facto. Nem Sesimbra nem Alcácer, nem a Grande Cidade nem a Aldeia do Cerco lhe pertenciam, e muito menos ele aos lugares. Como muitos outros loucos, buscava com uma sede infindável uma meta, ainda que tivesse de percorrer a sua maratona e no final cair morto. «Morrerei rico de feliz». E Mortos caímos todos, afinal... tantas vezes primeiro os que não souberam olhar para a sua própria meta e chamaram louco àquele simpático viciado em abraços. Se tivesse carteira, se tivesse fotografias, levaria consigo as suas conquistas. As pérolas que eram poucas, menos de mão cheia, e outros pequenos tesouros que ia descobrindo, bebendo da magia de viver uma relação pura, simples e verdadeira com aqueles amigos que levava com ele… mas não na memória. Era louco e sem memória, para não guardar as chacotas. «Devias estar no Telhal». Apenas uma vez sofreu, alheado dos tantos sofrimentos do mundo, porque perdeu uma pérola... não a guardou nem estimou, e esta caiu-lhe do bolso enquanto estava distraído e vidrado com uma ostra que prometia... e tinha de facto um tesouro... «troca por troca» mas nem a dor passada era de facto pertença dele. Nos restantes dias da sua vida, plena de gozo e felicidade - mas sem a perseguir nem tentar guardar com uma trela - foi sorrindo como um louco - «sou um louco» - olhando profundamente as almas humanas que tantas vezes queriam parecer outra coisa. Por fora, todas as ostras tinham aspecto dúbio, estranho, e nem nessa homogeniedade se fartou da sua busca sabendo que conquistando o seu interior, por vezes com calma, por vezes escarafunchando a entrada, era o conteúdo que importava. Encontrou algumas pérolas mas além, disso aprendeu que mesmo sem tesouros há ostras cujo interior era bonito e apetecia guardar, outras que não prestavam e deixava para trás... e, sem qualquer risco de esgotar a sua fonte, percorria a fio em busca de mais sorrisos verdadeiros de quem era precioso. «És uma pérola». Regojizava- se do achado, guardava em gestos lentos o seu tesouro, num coração genuinamente alegre, e seguia em frente. E não há história nem memória de outro homem ou bicho que fosse tão grande como ele no ofício de coleccionar as pérolas, de conhecer a Humanidade. Não servia para pastor, nem para marceneiro... apenas na verdade e na pureza do coração podia ser perito. Artur sorria como um louco, abraçava como quem não lembrava, e guardava amor em colecção…

A despropósito - Abril 2008

...por falar nisso, lembrei-me não sei porquê, que estou a ficar velho. Pista: Muitas das pessoas que não me conhecem tratam-me por “você” ou “o senhor”. É enganador, porque pode ser um conjunto de “aumento da educação e respeito das pessoas” e de lidar com um público mais novo. Pista: Estou a ficar com uma barriguinha deprimente. É enganador porque isso pode ser consequência do facto de ter entrado num ritmo profissional, sempre sentado ao computador, e pouco tempo ou cabeça para exercício físico. Pista: 80% das minhas conversas são do tipo “Lembras-te?” ou “então e quando...”. Pode indicar saudosismo porque os tempos passaram de facto, mas engana e pode querer convencer-me que estou de facto velho. Pista: Demasiados amigos de infância e de liceu já casaram, ou já têm filhos, ou ambas as coisas, não obrigatoriamente pela ordem indicada. Poderia querer dizer que os jovens estão a casar mais cedo. Pista: Quando falo das coisas que assisti em criança, dos desenhos animados preferidos, da forma como brincava, ninguém conhece os nomes que digo, as músicas de genérico que canto, e dizem que os jogos que eu jogava (7 pedrinhas, cirumba, guelas) não são conhecidos para a X-Box. Pode ser que seja do mundo que se alterou, quase instantaneamente. Pista: Tenho quase 29 anos. Isto é um erro comum, porque a idade não infere em nada no estágio da vida “velhice” ou “juventude”. As pistas são demasiadas, mas enganadoras... no entanto a conclusão não muda. Estou a sentir-me mais velho... Ainda não é um sentimento crítico, mas tenho pensado nisso. Nenhum dos argumentos já indicados pode fazer-me velho, mas a verdade é que me sinto velho por passar por todas essas situações, mas principalmente porque sinto que cá dentro, as coisas mudaram. Apesar de ter alguns cordões que me amarram eternamente à infantilidade – Ser o mais novo de 7 irmãos, a imaturidade nas piadas e decisões, fuga às responsabilidades – há coisas que indiscutivelmente demonstram que eu envelheci: já não tenho paciência para mudar o mundo inteiro; já não me sinto distante da ideia típica de organizar a vida, em família; já dou mais valor ao tempo de Reflexão, e menos ao tempo de Diversão. Tenho a grande sorte de ter quatro grandes amigos com quem tenho grandes conversas filosofico-... vá... parvas, em quatro áreas distintas: a fé, a vida, o amor e o mundo. E isto faz com que eu não saiba mais nada sobre outros assuntos, porque não os discuto... nem política, nem economia, nem sociologia... coisas essenciais... Mas vou sabendo que por mais que se discuta se os bombeiros são eficazes ou se as escolas devem fechar, se os professores estão a ser injustiçados ou se o governo é corrupto, a maneira de ver as coisas muda dentro de uma pessoa. Com a maturidade, com a aprendizagem, com a formação pessoal... Muda a prioridade que damos às coisas, e definitivamente, sinto-me velho porque já não quero saber de como posso mudar o mundo, mas somente de dizer, na simplicidade, a cada um dos meus amigos, que gosto muito deles, e que só por eles sou feliz.

Gaiatos da aldeia

Já muitas vezes a tinha visto por ali, a assistir ao torpel de tantas crianças de um lado para o outro, num esforço maior que o que faziam para viver... A primeira vez que reparou, ficou com uma frase a meio, por descobrir que alguém mais escutava as asneiras que vociferava – as ‘indelicadezas’, passou a chamar-lhes desde então – e fez esquecer por aquela tarde de Domingo que estava a jogar por uma vitória. Desconcentrado, jogava apenas no intuito da admiração, da conquista de atenção... estava a “armar-se”, estava a “engatar” uma das poucas raparigas que perdeu um bocadinho de tempo a ver os jogos dos gaiatos. E repetiu-se por muitos Domingos aquele bocadinho de ritual, com sorrisos e palavras, com aproximações e brincadeiras, e antes da primavera e das andorinhas, já estavam enamorados... e gostavam de estar e falar, todos os Domingos à tarde até ao tocar do sino da aldeia para a missa da tarde... e ela ia-se, com as velhotas daquele lugar, rezar a missa e ouvir o cura dizer-lhes que tinham de ser melhores. E entre a mãe e as tias, conseguia olhar para trás, num olhar de quem gosta do que acabou de viver e sentir, e num sorrir de esperança pelo Domingo seguinte. E no verão, quando vieram os festejos populares do padroeiro - com charanga e ladaínhas – e quando a aldeia se tornava cidade pelos muitos habitantes retornados sazonalmente, ele correu atrás dela no fim da tarde para espreitar a janela da catequese e dizer-lhe adeus, e roubar-lhe um sorriso envergonhado enquanto o sacristão o enxotava para não distrair a pequenada... Era malandro, o malandro, e ia para a missa só para a ver, e ofereceu-se para capinar o pequeno quintal do pai da cachopa, cheio de ervas, só para vê-la mais um bocadinho... sabia tão bem vê-la e ouvi-la e cheirá-la num aroma com que a mãe a perfumava por ser próprio de menina-senhora. E nos passeios pelas azinhagas em busca de flores de sardinheira, por serem mais coloridas, habituou-se a ver - e depois conheceu - o Fialho, velhote rezinza que passeava pelo seu pomar à procura de garotos nas árvores, não para os enxotar, mas antes para propor-lhes um negócio de “Levas as que quiseres para ti, desde que deixes em igual número para mim”. E quando se cruzou com o Fialho naquela tarde, na sesta, viu-lhe um livro no regaço e procurou-lhe: -“Oohooa, que tens e de quem?” – gritou-lhe o bandalho ao aproximar-se... - Um livro meu, e que é eu. - Que diz? - Escrevi eu, por isso diz-me. Manuscrevi a lembradura do que fui sendo, desde gaiato - menos que tu. Hoje é uma vida, e estava a chorá-la por isso decidi revisitá-lo... E guardando a ideia, mudou o rumo - Dá-me um quintal de maçãs? - Tiradas do tronco, e com um quintal para mim ali na alcova do postigo. E o pequeno lá foi servir-se e servir o amigo velho, e desandou à sua vida que era Domingo e a tarde trazia-lhe sorrisos. Foi a casa pedir um fiapo de papel à avó e correu para o campo, pronto para uns pontapés na bola e nas pedras, à espera da menina da pele clara que lhe prendia os sentimentos. E quando ela veio, ele chegou-se-lhe e ofereceu-lhe uma maçã, a mais suculenta de todas, polida pelo próprio na manga da casaca. E depois disse: - Vou ser escritor, como o Nestor Fialho, o velho do Pomar! Começo agora mesmo a escrever as coisas da minha vida para coleccionar nas ideias – e rabiscou a primeira frase do seu livro e mostrou-lhe. E ela, corando, sorriu e deu-lhe um beijinho de fugida, e correu mais cedo que o sino para os degraus da capela. E ele voltou à jogatana, guardando no bolso a primeira memória do livro da sua vida.

A despropósito - Março 2008

...isso faz-me lembrar que no outro dia, vindo no meu ex-caminho semi-habitual do trabalho para casa, notei que à saída do metro se aglomeravam no chão os bilhetes já caducados que as pessoas deitavam fora de qualquer maneira a partir do momento em que já não precisavam deles. “Se fazem o mesmo com os familiares mais próximos, não há-de custar nada fazê-lo aos bilhetes inúteis de cartão”, pensei para mim, mas de repente, atingido em cheio talvez por uma ideia navegante, fui arrastado dos pensamentos filosóficos e teóricos no nível etéreo para a subcave da realidade mundana onde existem pessoas cujo emprego depende da falhas culturais no nosso povo. Lá está, o problema de ter um córtex cerebral activo sem qualquer controlo de raciocínios disparatados leva-me a mente para campos que não conheço, e onde a imaginação constrói fundamentos de opiniões que são no mínimo... vá... parvos... Abstraindo da minha educação e inteluti...intelctadi...intulictali... intalc.. tdade... ...esperteza, imagino os postos de trabalho que existem pelo simples facto de um cidadão que não querer ir a um restaurante onde é servido por um empegado porque é muito caro, mas vai antes a cadeias de comida rápida (velocidade discutível, já que está parada à mesma velocidade que o jantar que a mãe me costuma fornecer) onde fica numa fila para ser atendido num balcão para carregar um tabuleiro e procurar um lugar num conjunto de mesas tantas vezes partilhado com desconhecidos para depois, no final do degusto, poder com toda a pompa e circunstância deixar o tabuleiro nessa mesa e ir embora alegando que há pessoas para fazer aquele trabalho que podem ir para o desemprego devido à nossa atitude egoísta de arrumar o tabuleiro nos carrinhos destinados. Pois bem, esta preciosidade de emprego, que o nosso primeiro ministro tanto persegue, leva os muitos desempregados a lutar pelas poucas vagas de arrumadores de tabuleiros ou limpadores de bilhetes de metro, e quando a procura é maior que a oferta, aumenta o valor, como dizem os economistas, ou vai-se o humanismo, como dizem os... vá... parvos. E assim, gera-se uma máfia em volta do controlo destes postos de trabalho, e um mercado paralelo ilegal de exploração de algumas deficiências culturais, tal como o da televisão e o das drogas e alcoól. E nisto, dou comigo a pensar que, no que toca a este artigo, chega de ... vá... parvoíces! E farta das minhas parvoíces, a Metro de Lisboa decidiu calar-me e pôr os bilhetes recarregáveis em utilização. Muito bem! Mas o problema cultural nunca foi abordado. Continua a ser impossível haver em Portugal aquelas maquinetas em que se põe uma moeda e se retira um e um só jornal, porque o portuga tira todos os jornais para estragar ou tentar extorquir dinheiro (parecido com rapto, não é?). – A solução foi mesmo os jornais gratuitos, porque ninguém paga pela informação. Antes disso, bastava ler as capas dos jornais (que adicionado à internet e à televisão dava para perceber a história), tal como a leitura se resumia aos resumos de contra-capa dos livros nas livrarias. Quero com isto dizer que há algo de mal? Não, quero dizer que há coisas que são... no mínimo... parvas! E que ser feliz não deve nunca depender disso... deve depender da simplificação e dignificação de todas as coisas, de todos os momentos, celebrando-os como uma oportunidade única, que são de facto. E se não é todos os dias que temos consciência que estamos vivos e disponíveis para a felicidade, então que se faça festa e haja júbilo nos momentos em que um qualquer estalar de dedos nos acorda!



Pág. 34 de 37

Sobre o autor

Talvez tenha demasiado tempo livre, e invente por 5 pessoas diferentes... pelo menos não ando nas drogas. E não, não sofro de esquizofrenia!, embora tenha muitas faces diferentes... Tenho uma paixão por astronomia, um forte interesse por informática, um perfil para (não) ser pai, uma família «out-of-my-league», uma visão distópica da sociedade, uma mania que tenho piada, uma educação conservadora, uma introversão crónica acentuada, um sonho de ser aceite.

Sobre o leitor

Um perfeito desconhecido, amigo de longa data... uma pessoa 5 estrelas, amigo do amigo, devia abrir-se mais aos outros.