Empreendimento
Paulo Almeida
29 / 02 / 2008
09:10
- Negócio fechado! - Foi com estas palavras que Abel sentiu vontade de sorrir, na certeza de ter um ganho enorme com aquele contrato. Estivera 3 dias a preparar a sua apresentação, os seus argumentos... foi convincente.
Sentia que havia nascido para os negócios iguais a estes, e que toda a sua habilidade ganhava um expoente máximo, daqueles que são realização de uma vida, nestas aventuras de empresário.
Despediu-se, desceu os 39 andares daquele imenso arranha-céus, saiu para a rua e apercebeu-se que ainda era manhã fresca. A reunião não demorara mais de meia hora, e restava-lhe o dia todo para celebrar aquela vitória que era sua.
Caminhou um pouco, indeciso entre o táxi e o metro, e num gesto automático puxou do seu diskman que costumava rasgar a imagem de empresário engravatado. Ouvindo a sua música, passeando, tomando o pequeno almoço, o tempo passou e Abel estava a sair da ilha por uma das muitas pontes quando viu um grupo de pessoas a ver a vista, com um ar atrapalhado, apontando e transparecendo nos seus rostos uma incredulidade imensa. Olhou de esguelha para trás, e num ângulo morto no carro pareceu ver fumo num prédio.
- Pare!! ... Stop here now!! Please, stop! – berrou para o taxista
- I can’t stop here! – respondeu enquanto o campo de visão caía na inacessibilidade àquela panorâmica. Continuou a viagem, alterado, forçado... apertado no coração pela dúvida.
«...quando cheguei ao hotel, as pessoas pareciam sob stress. O monitor da televisão mostrava imagens de um noticiário especial. Perguntei o que se passava à pessoa que estava mais perto de mim, que me respondeu que havia acontecido algo no World Trade Center. Vi algumas imagens de fumo e fogo mas logo a seguir, a minha visão apagou e não me lembro de mais nada a não ser este preciso momento em que me sento para escrever. Fiquei sem saber muito bem o que aconteceu, da mesma forma que na antevéspera fui dormir sem saber o resultado do Benfica.»
Foi ao fechar o seu livro em branco, ao fim do seu dia, apontando as suas visões e recordações do seu mundo, que Abel caiu numa trama de pensamentos.
- Eu estive lá 1 hora antes... – pousou a caneta e olhou para o vazio – de que me serviu o meu negócio, o meu golpe de mestre, a minha obra prima? De que serviu todo o empenho se, quando acaba o tempo de um exame, tenho sempre a noção que não disse tudo o que queria, e que o tempo não chega? – decidiu retirar um copo e servir-se de um whiskey. Depois de um trago, olhou pela janela, sentiu a diferença do mundo além paredes, e decidiu aproveitar a noite. Saiu para as ruas e para o entretenimento nocturno na cidade que não dorme, e perdeu os sentidos numa mesa de bar, ao fim de muitos copos que o puseram de volta no lugar habitual, alienado da vida. “A vida continua” é um bilhete que usamos para voltar aos lugares confortáveis de quem não quer saber do mundo, depois de algum abanão nos fazer viver a vida a sério... ainda que doa. Abel foi abanado, mas a sua vida continuou.