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Empreendimento

- Negócio fechado! - Foi com estas palavras que Abel sentiu vontade de sorrir, na certeza de ter um ganho enorme com aquele contrato. Estivera 3 dias a preparar a sua apresentação, os seus argumentos... foi convincente. Sentia que havia nascido para os negócios iguais a estes, e que toda a sua habilidade ganhava um expoente máximo, daqueles que são realização de uma vida, nestas aventuras de empresário. Despediu-se, desceu os 39 andares daquele imenso arranha-céus, saiu para a rua e apercebeu-se que ainda era manhã fresca. A reunião não demorara mais de meia hora, e restava-lhe o dia todo para celebrar aquela vitória que era sua. Caminhou um pouco, indeciso entre o táxi e o metro, e num gesto automático puxou do seu diskman que costumava rasgar a imagem de empresário engravatado. Ouvindo a sua música, passeando, tomando o pequeno almoço, o tempo passou e Abel estava a sair da ilha por uma das muitas pontes quando viu um grupo de pessoas a ver a vista, com um ar atrapalhado, apontando e transparecendo nos seus rostos uma incredulidade imensa. Olhou de esguelha para trás, e num ângulo morto no carro pareceu ver fumo num prédio. - Pare!! ... Stop here now!! Please, stop! – berrou para o taxista - I can’t stop here! – respondeu enquanto o campo de visão caía na inacessibilidade àquela panorâmica. Continuou a viagem, alterado, forçado... apertado no coração pela dúvida. «...quando cheguei ao hotel, as pessoas pareciam sob stress. O monitor da televisão mostrava imagens de um noticiário especial. Perguntei o que se passava à pessoa que estava mais perto de mim, que me respondeu que havia acontecido algo no World Trade Center. Vi algumas imagens de fumo e fogo mas logo a seguir, a minha visão apagou e não me lembro de mais nada a não ser este preciso momento em que me sento para escrever. Fiquei sem saber muito bem o que aconteceu, da mesma forma que na antevéspera fui dormir sem saber o resultado do Benfica.» Foi ao fechar o seu livro em branco, ao fim do seu dia, apontando as suas visões e recordações do seu mundo, que Abel caiu numa trama de pensamentos. - Eu estive lá 1 hora antes... – pousou a caneta e olhou para o vazio – de que me serviu o meu negócio, o meu golpe de mestre, a minha obra prima? De que serviu todo o empenho se, quando acaba o tempo de um exame, tenho sempre a noção que não disse tudo o que queria, e que o tempo não chega? – decidiu retirar um copo e servir-se de um whiskey. Depois de um trago, olhou pela janela, sentiu a diferença do mundo além paredes, e decidiu aproveitar a noite. Saiu para as ruas e para o entretenimento nocturno na cidade que não dorme, e perdeu os sentidos numa mesa de bar, ao fim de muitos copos que o puseram de volta no lugar habitual, alienado da vida. “A vida continua” é um bilhete que usamos para voltar aos lugares confortáveis de quem não quer saber do mundo, depois de algum abanão nos fazer viver a vida a sério... ainda que doa. Abel foi abanado, mas a sua vida continuou.

A despropósito - Fevereiro 2008

...e por falar nisso, nestes dias vi-me a percorrer mentalmente o meu percurso académico inacabado e largadas as aulas de geografia, deu-me para relembrar as aulas de electromagnetismo. E entre as recordações das aulas passadas, e esta sensação de haver uma maré baixa nas ideias, recuperei uma teoria velha, minha, que andava a guardar para a tese de graduação na escola da vida: A teoria das ideias. Importa saber, como base desta teoria, que o nosso planeta se encontra envolto num campo electromagnético caracterizado por haver linhas equipotenciais. Representando visualmente este campo, temos um desenho semelhante às longitudes do nosso globo, cortado em gomos pelos meridianos que se cruzam nos pólos. A meu ver, existe uma estrutura semelhante que forma o Campo das Ideias Possíveis [baptizado Cam-Ide-Po (1999), ou PIFF(2002)]. Nesse campo, usando estas linhas equipotenciais, navegam partículas a alta velocidade, de vários tipos, tamanhos e conteúdos mas de uma só família: As ideias em potência. Estas partículas são pontuais (não têm dimensões nem massa) pelo que podem atravessar obstáculos físicos como prédios, aviões e nuvens, sem se alterarem nas suas propriedades ou rotas. No campo experimental, apenas uma observação isolada poderá contestar este axioma, já que em 2005, um pato barulhento manifestou o seu desagrado afirmando que foi, e passo a citar – “atingido em cheio nas ventas por uma ideia sem licença de navegação nem experiência”, o que o fez despenhar-se do seu vôo migratório. Apenas completar dizendo que, passados os nervos, o pato lembrou-se que talvez fosse boa ideia reunir novamente as Spice Girls. Apesar do episódio do Pato ser um balde de água fria no que toca à não-massa das partículas, veio confirmar duas coisas: as ideias navegam de facto a alta velocidade, e cada uma delas pode ser boa, má ou indefinida. Relembro que, não tendo dimensão, e vivendo nós num espaço tridimensional, as linhas de equipotência podem ter ideias a altitudes diferentes, o que aumenta em muito a sua implementação global. Além disso, mesmo sem ocupar espaço, definem-se as particulas por tamanhos, na proporção inversa à sua complexidade. As mais pequenas e simples particulas são na verdade as grandes ideias, as “brilhantes”. Andando as ideias a passar por esse mundo fora, apenas é preciso que alguém as apanhe... e como se apanham as ideias? A resposta sugerida por esta teoria indica uma zona concreta do córtex cerebral hiper-sensível a estes impulsos, e com a capacidade de traduzir os conteúdos em línguagem verbal, apesar de algumas perdas resquiciais na tradução. As pessoas andam pela rua, e se tiverem o seu GCI [Glóbulo Cerebral Idiota] na direcção de uma linha de ideias, ao passar uma partícula, poderá adquirir os dados e processá-los de forma a trasformar uma ideia em algo concreto. No entanto, a ideia nunca fica cativa, continua na sua linha. O instante de contacto é suficiente para a transmissão/cópia da ideia, mas a partícula continua no seu rumo sem alterar as suas propriedades. Isto explica o facto de várias pessoas poderem ter a mesma ideia. Para acabar a teoria em beleza, duas alíneas: primeiro, dizer que a capacidade cerebral das pessoas pode ser treinada, fazendo com que tenham acesso a mais ideias navegantes, colocando maior área do córtex sensível às partículas e predispondo os seus mecanismos de captação a estarem mais atentos. O brainstorming que muitos falam não é mais do que, em grupo, criar uma rede, aumentando a área de captação, partilhando os vários conteúdos que se detectam em navegação... A segunda, para dizer que as partículas estão paralelas ao espaco, sem massa nem dimensão, mas transversais ao tempo, pelo que têm prazo. Os próximos estudos desta teoria procuram provar a existência das particulas, e descobrir a origem e destino das ideias, como se geram... Em todo mundo há já... 1 pessoa a fazer esforços... mínimos, a desenvolver estes estudos. Apenas como exemplo rápido, devo dizer que as rúbricas que tenho escolhido fazer neste nosso jornal foram frutos de encontros entre o meu GCI e algumas linhas de ideias. Isto prova que também é possível fazer-se muito mau uso de boas ideias (ou bom uso de más ideias, ou utilização diversa de ideias indefinidas). Outro indicação: “A.S.L” é o nome da partícula mais pequena que navega por este campo de ideias, a alta velocidade, e ao mesmo tempo, é das particulas que têm maior tempo de vida. Experimenta exercitar o teu GCI de modo a poderes receber esta ideia que, por navegar a tão grande velocidade, aumenta a probabilidade de ser captada por todos...

Barbas

Ninguém o via, ao vaguear pelas ruas e ruelas perdidas em plena cidade do Porto. A sociedade já criara anticorpos sociológicos para ignorar o mau cheiro, e os olhares fingidores das pessoas que passavam transmitiam um “está tudo bem” não conseguindo ou não querendo ver além dos jornais que serviam de cobertores. No entanto, uma voz chamou por ele, com um eco aparente de outro mundo, como se numa dimensão inferior à dos comuns mortais, os desgraçados conseguissem comunicar.
- Barbas!!
Era já aquele o seu nome, a parte da sua identidade que servia para o mundo iniciar as interacções. - Tens alguma coisa que se beba? - perguntou a mesma voz, agora já com um rosto, queimado e velho. - Não - respondeu ele - não tenho nada! Só a dor nas costas e o jornal de ontem. - Não passaram aqui com a merenda? - Talvez. Eu não estava cá. Sem ser preciso mais palavras, simplesmente foi-se embora como voltou, desaparecendo num qualquer submundo, ou talvez somente no horizonte que não vemos por estar atrás das costas. «Barbas» - pensou para si mesmo - «É o meu novo nome...». As dúvidas foram passando pela cabeça, já muito consumida pelos anos, e no todo de uma vida em memória, com todas as suas experiências e todas as suas vivências, Barbas não conseguiu lembrar- -se do seu nome. Numa partida pregada pela vida, conseguia dizer o nome de todas as ruas, como taxista que havia sido; conseguia dizer o nome dos vendedores do mercado do bulhão pela ordem das bancas, conseguia recordar com exactidão os rostos e as vidas de todas as pessoas com quem tinha vivido, sabia as datas de quase todos os grandes acontecimentos mundiais do seu tempo... mas não se conseguia lembrar do seu próprio nome. «Raios!» - pensou - «Tanta bebida... Agoras estás condenado a ser Barbas para sempre» Ao olhar para o céu, numa totalidade de azul incomum para os dias frios de Novembro, sentiu o sol banhar-lhe o rosto, ainda que sem força para o aquecer. Apertou o casaco para vencer o frio, encolheu os ombros e falou em voz alta mas sozinho: - De que serve o meu verdadeiro nome, se já só reajo aos gritos dos meus amigos? O que é um nome, senão aquilo que me representa, a minha identidade para os outros? Podia ser Francisco ou Emanuel ou Paulo, mas os que chamam por mim vão sempre chamar-me Barbas! E dando alguns passos para o escuro de um beco, completou: - Chamar-me Barbas para o resto da vida também não é uma pena muito pesada. Não sei quantos dias mais me restam, mas não serão muitos. Sentou-se num canto imundo. Ao pé dele, remexendo uma lata de lixo, um cão rafeiro interrompe calmamente a sua própria demanda por alimento para olhar nos olhos daquele homem. Lambe o focinho, vai em direcção a ele e sem latir nem ganir, diz-lhe: - Mudaste muito, sofreste muito, mas não deixaste de ser Guilherme! E decidindo remexer outros lixos, foi-se embora. Guilherme ficou parado! Olhou para as mãos, para as garrafas de vidro vazias... tinha recuperado o seu nome, num reavivar da memória... «Já sei novemente quem sou!»... depois duvidou: «Mas foi um cão que mo disse!?!». Ou o cão era mensageiro, ou o cérebro estava a deixar de funcionar? Decidiu! «Qualquer das duas hipótese, hoje mesmo vou deixar de beber!»

A despropósito - Janeiro 2008

...por falar nisso, tenho reparado, e mais ainda, tenho sentido que o clima está a mudar. Tem estado frio, e muito, mas tem chovido pouco, o que me faz recordar as aulas de geografia do 8º ano, que me ensinaram a expansão do deserto do Sahara para norte e a desertificação da Península Ibérica. Este ano choveu tão pouco que eu fiquei mesmo a achar que já estava a decorrer esta [contra] invasão levada a cabo pelo continente africano sobre a Europa, em retaliação às sucessivas invasões que os colonos europeus têm perpetrado nos últimos 5 séculos... Estou consciente que eu não sou o único a ver isto... primeiro porque a teoria da desertificação da Península não é minha - e penso que também não é de Deus, porque nunca a li na Bíblia - logo, alguém a pensou, o que faz um total de uma pessoa com a mesma linha de raciocínio que eu. Depois acrescenta-se uma segunda que é do nosso ministro Mário Lino, que teve a capacidade de visão e a ousadia das palavras típicas dos génios fora do seu tempo, para ver que às portas de Lisboa, para lá do Tejo, já tudo era deserto, consumido pela ausência de recursos e excesso de areia (excepto na costa da Caparica). Consigo ainda pensar em algumas pessoas, não nomeadas, que também devem ter o mesmo pensamento: os organizadores do Rally Lisboa-Dakar, que fizeram a mais dura prova automobilística de deserto começar onde o mesmo deserto começa: em Lisboa! O pior de tudo é o fenómeno de ausência de águas pluviais que se tem feito sentir, mais concretamente a seca!... não só porque as culturas biológicas (quais são as outras?) ficam afectadas, não só porque a minha Central Urbana de Reciclagem de Papel fica sem poder trabalhar, não só porque se teria de adiar o Campeonato de Olhares Fixos, não só porque ficamos sem um dos bens mais essenciais à vida [a água, para que não restem dúvidas], mas porque se secam uma série de outros recursos, dois dos quais sinto necessidade de destacar: as ideias e as piadas. Primeiro, quanto às ideias, não é preciso nenhum génio para perceber que é preciso responder de uma forma audaz e criativa aos problemas novos que aparecem pela frente. Quando vamos por uma estrada e nos surge uma árvore caída a impedir a passagem, não é por fecharmos os olhos que ela deixa de estorvar... Mas as ideias, a criatividade das respostas que o nosso país tem dado, deixa a desejar... Depois as piadas... basta ver que o nosso povo, talvez devido à seca nos recursos financeiros ou na qualidade de vida, tem ficado sem graça... e vai daí, a juventude ressente-se, tal como as paredes do estúdio PZm, e fica seca... as piadas são secas, as anedotas são secas, as atitudes são secas, as contra-capas do Ouvi Dizer ficam secas... tudo numa secura... E uma vez que não se avizinham melhoras, e uma vez que «se não os consegues vencer, junta-te a eles», e uma vez que não há mais espaço para escrever esta crónica, vou-me dedicar à expansão de um novo reinado, já que por ideia de alguém se fez a piada (seca) dos cargos no reino dos Secos... Juntem-se a mim nesta demanda que grita pelas ruas «Vivam as piadas secas, vivam as anedotas do Ouvi Dizer... fora com as anedotas do Papagaio e outras tantas que perdem qualidades por terem de facto, graça!». Isto porque pelo menos nos dá uma luzinha, a do sorriso, para combater os dias difíceis que vivemos actualmente... nas crises económicas, nas crises socias, nas crises pessoais, e em tantas vertentes da vida que choramos, choramos muito, mas por dentro, porque as lágrimas, também elas, já secaram...

A despropósito - Dezembro 2007

... por falar nisso, lembrei-me de reparar na evolução darwinista que tem decorrido os últimos 20 anos, nas transformações da sociedade, como o aparecimento dos telemóveis e o desaparecimento dos bairros no sentido comunitário... e de tanta coisa que me passou pela cabeça, fixou-se a ideia – pela sua centralidade na vida pública (ou somente por ter visto um autocolante amarelo numa caixa de correio) – do surgimento da guerra social do ”Publicidade, aqui não!”, guerra sem tréguas e já com elevadas vítimas em ambos os lados. Penso até que há um grupo de extremistas que faz da sua vida uma vigia constante à caixa de correio – imagino-os com um banquinho desdobrável, uma espingarda e um chapéu panamá verde seco – à cata de inimigos. Pessoas que odeiam solenemente todo o papel não endereçado que entra nas caixas de correio. Calculo que haja também os outros (ou pelo menos o ‘outro’, há) que fazem da sua guerra o ódio à existência de pessoas que “odeiam solenemente todo o papel não endereçado que entra nas caixas de correio”. Será que se vai gerar um movimento cívico? Far-se-ão autocolantes verdes a dizer “Autocolantes com a frase ’Publicidade, aqui não!’ aqui não!”. Não me incomoda a publicidade... incomoda-me antes que se deitem esses mesmos ou outros papéis para o chão (e eu nem moro num prédio), incomoda a falta de civismo, a falta de tolerância, e de educação, a arrogância... A mim, a publicidade na caixa do correio é benéfica! Alguns folhetos têm interesse, outros não, mas todos remedeiam o problema de infiltração da minha caixa de correio. Vou tirando o correio e deixando acumular no fundo as folhinhas do mestre astrólogo, da senhora que passa a ferro, e do supermercado. Vão absorvendo a recém chegada chuva, e ajudando a que o meu correio normal não fique afogado. Ao fim de alguns meses, retiro uma boa camada de pasta de papel, e reparo como a natureza fez de uma simples caixa de correio uma Central Urbana de Reciclagem de Papel, capaz de produzir em poucas semanas uns... vá lá, 100 gramas de pasta de papel para acendalhas (sim, eu faço acendalhas de pasta de papel). E tal como os aparelhos com leitores de mp3 e máquinas fotográficas e cartões de memória e acesso à internet, que têm ainda a surpreendente capacidade de fazer telefonemas, também a minha caixa de correio tem capacidades acima da média, como a de ser um ponto fulcral da minha comunicação com o mundo neste Natal. Lá recebo os meus postais, as correspondências com pessoas que foram para longe, e até algumas ideias perdidas que me fazem crer que Deus continua a oferecer presentes. Oferece em cada instante a oportunidade de nos apercebermos da nossa própria existência, o que é só por si um empurrão para a felicidade.



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Sobre o autor

Talvez tenha demasiado tempo livre, e invente por 5 pessoas diferentes... pelo menos não ando nas drogas. E não, não sofro de esquizofrenia!, embora tenha muitas faces diferentes... Tenho uma paixão por astronomia, um forte interesse por informática, um perfil para (não) ser pai, uma família «out-of-my-league», uma visão distópica da sociedade, uma mania que tenho piada, uma educação conservadora, uma introversão crónica acentuada, um sonho de ser aceite.

Sobre o leitor

Um perfeito desconhecido, amigo de longa data... uma pessoa 5 estrelas, amigo do amigo, devia abrir-se mais aos outros.